Metaverso: um universo de desafios jurídicos

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Marcas correm para se fazer presentes. Jornalistas se empenham para cobrir. Futuristas são instados a prever o que ainda está por vir. Startups nascem para explorar. Big Techs investem e correm para se posicionar. Fundos específicos são abertos para investimento. Advogados se esforçam para antever problemas.

Desde o fim do ano passado o metaverso, buzzword do momento, tem atraído as atenções de todos que desejem estar na fronteira das interações sociais no mundo digital.

“Um mundo digital paralelo, tipo Second Life”, “a nova Internet”, “a evolução da rede social”. São muitas as definições surgindo.  Mas, afinal, o que é o metaverso?

O QUE É O METAVERSO?

A resposta curta para a pergunta difícil é que o metaverso em sua versão terminada ainda não existe. Por ora há “infraversos” ou “subversos” representados por espaços virtuais 3D que permitem experimentar parte do que se espera será o metaverso. Conceitualmente, contudo, o metaverso será a convergência entre realidade física virtualmente ampliada e o espaço virtual persistente passível de imersão física, permitindo que o usuário experimente qualquer uma dessas dimensões em um dado momento.  A matéria em vídeo da BBC dá uma boa ideia do que nos espera:  https://www.digit.in/features/metaverse/what-is-the-metaverse-62745.html

Essa fusão entre físico e virtual se dará por meio de outra; a convergência de uma série de tecnologias digitais, tanto já existentes, quanto que ainda estão por vir, tendo a infraestrutura da World Wide Web como a base para essa união. O metaverso será composto, portanto, da combinação paulatina de elementos de hardware e software que hoje são vistos em outros contextos.

O que se tem, portanto, são soluções em realidade virtual, internet das coisas, gaming, realidade aumentada, computação descentralizada, inteligência artificial, dentre outras, sendo progressivamente aglutinadas para criar uma (ou mais) plataforma imersiva[1] e persistente voltada a interações pessoais e comerciais.

Como toda novidade, o metaverso nasce em meio à desconfiança.  Será que vai vingar? É mais estratégia de marketing do que realidade? Nosso alento aos mais céticos vai no sentido de que, pelo menos em sua fase inicial, o Metaverso seja visto mais como um processo do que um lugar.

As aplicações iniciais nos “subversos” têm sido diversificadas.  Vão desde iniciativas que se limitam a fazer uso de tecnologias mais imersivas, como é o caso do trial do Apple Watch, que permite ao consumidor visualizar, por meio de realidade aumentada, o relógio em seu pulso antes da compra, passando por jogos (como o Fortnite, Pokémon Go) ou e-commerces (como o RedFox Labs, Highstreet) que ocorrem em ambientes 3D ou por meio de realidade aumentada. Naquilo que mais se assemelha ao Metaverso, encontramos aplicações com propósitos mais abrangentes, isto é, que criam uma realidade virtual alternativa (como Sandbox e Decentraland[2]).

No caso do Decentraland, por exemplo, seus desenvolvedores prometem aos usuários “um mundo virtual” onde eles são livres para explorar a plataforma, criar obras de arte e desafios, participar de eventos, salas de conferências ou shows online, realizar compras de objetos e imóveis virtuais, contratar espaço publicitário e negociar ativos digitais usando uma criptomoeda própria. A proposta é criar uma vivência diversificada no mundo virtual.

Uma vivência diversificada em ambiente criado artificialmente e gerido por uma ou mais organizações levanta uma série de preocupações jurídicas.  Não foi por outro motivo que a Meta declarou em seu último relatório anual de desempenho financeiro, levado a público na quinta-feira, 10, que seus esforços no metaverso poderão estar sujeitos às novas leis dos Estados Unidos e mundiais, incluindo leis que tratem de “privacidade e comércio eletrônico, o que poderá atrasar ou impedir o desenvolvimento de nossos produtos e serviços, aumentar nossos custos operacionais, exigir tempo e atenção de gerenciamento significativos, ou prejudicar nossos negócios”.

DESAFIOS JURÍDICOS

Como se vê, até mesmo por sua natureza revolucionária, o metaverso provavelmente dará origem a uma série de questões legais e regulatórias complexas.  Consideramos alguns dos principais desafios jurídicos abaixo.  Com o passar do tempo, é natural que outras questões surjam.

Proteção de Dados Pessoais

“A privacidade está morta!”.  O vaticínio é feito a cada revolução tecnológica, desde que Warren e Brandeis se depararam com a Brownie Camera da Kodak em 1895.  Não será diferente com o metaverso, e da mesma forma que se viu outras vezes, o direito à privacidade sobreviverá por meio da evolução do arcabouço regulatório existente.  Mas como isso se dará na prática?

O metaverso será tanto baseado em imersão, quanto no mesmo racional de publicidade existente hoje, embora incrementado. Considerando a maior integração entre usuário e máquina, é provável que vários sensores captem elementos (e.g. sinais vitais, emoções, fala, reações involuntárias) que indiquem muito mais do que meras preferências de um consumidor.

Do ponto de vista de política regulatória e resposta das empresas, a tendência é que a responsabilidade pela gestão e uso justo e ético desses dados recaia primordialmente para o controlador dos dados.  Muito embora o direito à autodeterminação informativa do titular seja preservado, é mais provável que o visitante médio não consiga ter compreensão do que se passa com suas informações.   Nesse contexto, princípios como accountability, presente na LGPD como “responsabilidade demonstrável”, e “data stewardship”, terão ainda mais razão de existir e ser na era do metaverso.  Em breve resumo, o ônus de gestão de direitos passará, forma mais pungente, do titular para o controlador.  Nesse cenário, empresas que queiram se beneficiar do metaverso terão que investir significativamente em seus programas de privacidade.  Serão verdadeiros programas de privacidade de 2ª geração. 

Responsabilidades em Cibersegurança

Como qualquer outra plataforma online, o metaverso enfrentará os desafios usuais associados às violações de dados e aos incidentes de segurança cibernética.  Contudo, ataques no metaverso tendem a tomar formas mais sofisticadas, além de serem mais difíceis de identificar, verificar e controlar.  Avatares hackeados e métodos de invasão que se utlizem de técnicas de deepfake são situações de risco de segurança que se espera encontrar.

Responsabilidade pelas Ações de Terceiros

Avatares se comunicando por meio de fala e gestos humanos, apresentam um desafio de moderação de conteúdo infinitamente maior do que a gestão de posts escritos ou de vídeo e imagens que populam as plataformas de internet hoje.  O problema do conteúdo de terceiros se transmuta para o controle das ações de terceiros.  É possível controlar?  É desejável fazê-lo?  São questões que fizeram parte da discussão do Marco Civil da Internet e voltarão com força no metaverso.  Em uma frase: quem é e quais são os poderes da “policia” nesse novo mundo paralelo?

Crimes

Ações humanas podem ser também criminosas.  Tal qual acontece no mundo real e na internet, os crimes farão parte do metaverso. Crimes contra a honra, misoginia e homofobia, hoje profícuos na internet, continuarão, assim como o cyberbullying que, no metaverso, terá outra dimensão. Por outro lado, fraudes eletrônicas e estelionato terão campo vértil.  Questões associadas à autoria e materialidade no mundo virtual serão desafios a serem enfrentados.

Saúde Mental e Danos Físicos

Nesse novo mundo cibernético, o nível significativo de imersão aliado a certos atrativos virtuais, podem, especialmente nas situações de alta exposição, levar a problemas como vício, dissociação da realidade e, até, pensamentos suicidas.  Assim, quanto mais potencialmente adictiva uma plataforma no metaverso, maior o cuidado que seus desenvolvedores devem ter com o tema.

Também no que respeita à incolumidade dos usuários, a possibilidade de ocorrência de danos físicos deve ser considerada.  Como os usuários estarão inseridos em outra realidade, é importante que o responsável pela experiência indique os cuidados que  estes devem ter.  O uso de óculos de VR perto de escadas é, por exemplo, um risco a ser considerado.

Propriedade Intelectual

Se você colabora com outros para gerar direitos de propriedade intelectual, quem detém os direitos criados?  A definição de propriedade conjunta e copropriedade é complexa e, se torna ainda mais complexa em cenário de mundo virtual onde uma comunidade de stakeholders colabora para desenvolver a nova realidade.  Não é à toa que vários países já estudam alterações em suas legislações para dar conta de definir a propriedade intelectual gerada no ambiente digital, por máquinas e a partir de dados de terceiros.

Modelo Descentralizado ou Distribuído 

Em alguns casos, a tecnologia e o regime de governança de uma plataforma podem ser decentralizados. Caso não haja um administrador, como atribuir responsabilidades?  Além disso, estamos acostumados a acessos “especificados” a websites, nos quais estamos governados por termos e condições específicos.  No metaverso o que se pretende é uma navegação contínua, sem interrupções ou fronteiras.  Como atribuir direitos e deveres nesse contexto?

CONCLUSÃO

Quando a internet surgiu, advogados especializados em tecnologia passavam seus dias coletando princípios jurídicos consagrados no mundo real para transmutá-los para o ambiente digital.  Surgiu o que hoje se chama de Direito Digital. Não tenho dúvidas de que assistiremos a fenômeno parecido com o metaverso.

Este contudo não será o grande desafio jurídico associado ao metaverso.  O desafio dos advogados no metaverso, à semelhança do que se viu recentemente com a LGPD e do que se fará com a regulação de IA, será encontrar um equilíbrio adequado entre imperativos de negócio e obrigações legais e de compliance.

Gustavo Artese, partenr da Artese e Advogados.

[1] A imersividade figura entre os atributos mais característicos do Metaverso.  Não é à toa que a indústria de gaming, responsável por gráficos cada vez mais realistas, lidera parte dos esforços. Nesse sentido, veja vídeo da Nvidia: https://youtu.be/7ozs5EsvVGE

[2] https://decentraland.org/

Por Gustavo Artese

FONTE: TI INSIDE

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