Num futuro onde tudo é vigiado por algoritmos visuais de computador, até a estampa da sua roupa pode ser subversiva.
A profissional de segurança digital e estilista Kate Rose cria não apenas estampas de tecido. Ela atrapalha a base de dados coletada por leitores de placas de carro criando roupas estampadas com placas falsas.
Se você já recebeu uma multa de trânsito pelo correio – às vezes até com uma foto do seu veículo, com você e os passageiros com uma cara confusa no banco da frente – você provavelmente cruzou com um leitor de placas automático, ou ALPR.
Como muitas tecnologias de vigilância pelas cidades mundo, os ALPRs estão por toda parte, sempre observando. Eles são instalados em postes de telefone e viaturas da polícia, mas são muito mais que câmeras para pegar quem acelera acima do permitido. ALPRs são sistemas privados que capturam tudo que lembre uma placa de veículo em seu alcance, coletando até milhares de placas por minuto. Então, quando você está dirigindo por aí, esses sistemas leem as placas do veículo e coletam a localização GPS e informações do registro, além de data e hora.
Segundo a Electronic Frontier Foundation, ALPRs não são apenas uma tecnologia para solucionar crimes como as autoridades e vendedores dos aparelhos afirmam: eles também são sistemas detalhados de vigilância, permitindo que a polícia rastreie pessoas enquanto elas se locomovem para e de lugares sensíveis como centros de reabilitação e clínicas de imigração.
Mas por mais avançadas que essas tecnologias sejam, elas se confundem facilmente com padrões e imagens que parecem com a coisa real. “Quando um ALPR observa o mundo, ele procura por algo no alcance da câmera que seja parecido com um retângulo ou um conjunto de letras e números de uma placa de veículo”, disse Rose. O sistema então recorta essa parte da imagem, e a roda em sua base de dados para comparar com um conjunto de treinamento com exemplos de placas. Se o sistema determina que aquilo é uma placa, ele usa Reconhecimento Ótico de Caracteres (ou OCR) para ler, reconhecer e salvar a placa, assim como localização GPS e a hora em que a placa foi observada.
As estampas de Rose atrapalham esse processo. Ela desenvolveu e testou as estampas em seus tecidos para parecerem o mais próximo possível de uma placa real, então o sistema salva essas imagens como se fossem de placas reais. “Usando essas roupas na rua, você ajuda a introduzir dados inúteis num sistema de vigilância que podem em grande escala torná-lo menos útil e mais caro de usar”, ela disse. “Acho que é importante experimentar com jeitos de não compactuar com esses sistemas de vigilância de qualquer jeito que pudermos, e acho que roupas são um primeiro passo acessível.”
Rose apresentou seu trabalho durante uma palestra na DEF CON deste ano, uma conferência de hack que acontece em Las Vegas. Este ano, a DEF CON teve um aumento de 10% no número de mulheres inscritas, além de vários painéis, apresentações e reuniões só com mulheres e pessoas não-binárias – apesar de algumas histórias de misoginia em espaços adjacentes a DEF CON.
Enquanto as roupas de Rose são de gênero neutro, como uma mulher na indústria, ela notou mais inclusividade na conferência como um todo, e um desejo de lutar contra sistemas opressivos de poder.
“Hack é fundamentalmente uma questão de democratizar e desmistificar sistemas e aparelhos que todos usamos, ajudando uns aos outros a aprender que temos inteligência suficiente para desmontá-los e mexer neles, e reaplicá-los para o que você pessoalmente acha uma boa ideia”, ela disse.
Matéria originalmente publicada no Motherboard da VICE EUA.
FONTE: https://www.vice.com/pt_br/article/qv7gbp/privacidade-hackeada-da-netflix-nao-chega-no-ponto